segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Aborto por inviabilidade extra-uterina - INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA DA LEGISLAÇÃO PENAL

Processo:

AC 200451010061610 RJ 2004.51.01.006161-0

Relator(a):

Juiz Federal Convocado THEOPHILO MIGUEL

Julgamento:

04/11/2009

Órgão Julgador:

SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA

Publicação:

E-DJF2R - Data::23/11/2009 - Página::91/92

Ementa

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA DA LEGISLAÇÃO PENAL. CRIAÇÃO DE UM NOVO EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE, EM ADIÇÃO AOS PREVISTOS NOS INCISOS I E II DO ART. 128 DO CP -ABORTO NECESSÁRIO E EM CASO DE GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO -PARA INCLUIR TAMBÉM OS CASOS DE INVIABILIDADE EXTRA-UTERINA DO FETO, DEVIDAMENTE DIAGNOSTICADA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. DESARRAZOABILIDADE NA TUTELA DO DIREITO À VIDA DE NASCITURO POTENCIALMENTE INVIÁVEL, EM DETRIMENTO DO DIREITO DA GESTANTE A UMA GRAVIDEZ TRANQUILA E ISENTA DE RISCOS, TRADUZIDO NA LIBERDADE DE OPÇÃO PELA INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO, ANTE A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. APELAÇÃO DO MPF DESPROVIDA.

Os pedidos de condenação da UNIÃO a incluir, no âmbito dos serviços disponibilizados pelo SUS no RJ, o procedimento médico de interrupção voluntária da gravidez em casos de inviabilidade da vida fetal extra-uterina, devidamente diagnosticada por médicos do próprio SUS, independentemente de alvará judicial, de autorização do Ministério Público ou de qualquer outro órgão estatal, bem como de condenação da UNIÃO e do ESTADO DO RIO DE JANEIRO a se absterem de adotar medidas impeditivas, discriminatórias ou sancionatórias às gestantes e aos profissionais de saúde que realizarem os referidos procedimentos, são juridicamente impossíveis, carecendo o MPF de condição para o regular exercício do direito de ação.É fato que a complexidade de determinada matéria não pode servir de escusa para a omissão do Juiz no exercício de seu mister, posto ser-lhe vedado se eximir de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei (art. 126 do CPC), devendo decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito (art. 4o da LICC). Entretanto, não há que se confundir a lacuna na lei, a demandar a necessária atividade integrativa do julgador, com a impossibilidade jurídica do pedido. A atividade de integração, típica da função jurisdicional, tem por escopo suprir eventuais lacunas legislativas, de tal sorte que as demandas propostas perante o Poder Judiciário alcancem uma solução efetiva, compatível com a prestação jurisdicional reclamada pela parte. Jamais, porém, essa atividade integrativa pode substituir a atividade legislativa propriamente dita, função típica do Poder Legislativo, investido pela própria Constituição da República de legitimidade para tanto. Aquilo a que o MPF denomina interpretação evolutiva da legislação penal é, em verdade, inovação legislativa. O Magistrado, como integrante do Poder Público, enquanto Estado-Juiz, também está jungido ao princípio da legalidade, sendo-lhe expressamente vedado inovar na seara legislativa, sob o pretexto de integrar ou mesmo interpretar a lei. Especificamente na hipótese dos autos, não se trata de suprir lacuna na lei pela mera aplicação da analogia, dos costumes ou dos princípios gerais de Direito. O próprio MPF reconhece que está a demandar a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, em nítida usurpação de competência do Poder Legislativo, o que não se admite, sob pena de grave violação ao princípio constitucional da separação entre os Poderes, com o risco de subversão de toda a lógica que orienta o sistema construído sobre o postulado do Estado Democrático de Direito. Trata-se de criar um excludente de punibilidade para determinada conduta, que, até o presente momento, a lei penal ainda classifica como típica, sem a necessária autorização legislativa para tanto. Sem embargo dos argumentos da petição inicial e do recurso, e ainda que se reconheça que os artigos da lei penal em questão, diante dos atuais avanços da Medicina, possam ter se tornado obsoletos, não há como se transferir ao Juiz uma responsabilidade que é, à toda vista, própria do Legislador. Indubitavelmente, trata-se de tema de grande relevância e que reclama um amplo debate, no qual defensores e detratores da tese ora ventilada na presente demanda possam trazer, de parte a parte, luz à discussão. Acaso acolhidos os argumentos expostos com notável clareza na petição inicial, incumbirá à sociedade reclamar dos seus representantes no Congresso, posto que espelho da vontade popular, a necessária atuação, no sentido de adequar a norma penal em comento às demandas da atualidade. Apelação a que se nega provimento.

Acordão

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, Juiz Federal Conv. Theophilo Miguel

Nenhum comentário:

Postar um comentário